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quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Os meus medos

Parece serem poucos. Vamos ver. Porém, estou ciente que são suficientes para me atormentarem o espírito e o cérebro.

Tenho medo dos silêncios cobardes e oportunos, que cimentam relações, muitas vezes de vidas inteiras. Umas relações de infelicidade consentida para sempre, mas salvas pelo «milagre», fruto do silêncio e pela oportuna cobardia.

Tenho medo dos heróis do «primeiro lugar», dos primeiros a chegarem à linha da frente, tantas vezes movidos pelas artimanhas da ganância e pela sede desmedida de serem sempre mais do que um simples mortal. Mas também tenho medo dos cobardes da retaguarda.

Tenho medo da dor do estilete cravado no peito sem tréguas e sem que exista no mundo remédio nenhum que acalme essa dor.

Tenho medo dos que nunca encontraram motivo nenhum para chorar. Nem muito menos tolerar conviver com as lágrimas alheias.

Tenho medo dos que perderam o entusiasmo pela luta de uma vida melhor para todos. Onde o pão nosso de cada dia deva ser a paz alcançada, mesmo que seja pelo preço mais elevado deste mundo, porque quem não tem compaixão pelas atrocidades que a guerra provoca, mostra que já morreu.

Tenho medo de quem não aproveita cada dia e prefere sofrer dia a dia.

Tenho medo daqueles que todos os dias ressuscitam o princípio antigo do desprezo pela morte dos fracos.

Tenho medo dos que não distinguem a diferença entre a dignidade e a chafurdice humana.

Tenho medo daqueles que logo que morrem os seus próximos correm com a ponta dos dedos em riste apressados a apagar-lhes o número do telemóvel.

Tenho medo daqueles que acham que podem vencer até os mortos, quando está determinado, os únicos invencíveis, são precisamente os que já morreram.

Tenho medo daqueles que não reparam nas nuvens de tristeza que toldam a cor dos olhos, quando estes foram feitos para brilharem habitualmente.

Tenho medo de quem vai morrer sem perceber que deve lutar a todo o custo para sobreviver e que nunca permita ser tratado como um animal.

Tenho medo do vírus da tristeza sem fim à vista.

Apostila: Não são assim tão poucos os meus medos… Talvez nenhum destes medos eu consiga vencer, porém, espero que quase todos ou mesmo todos se afastem de mim e os que me rondarem, que eu encontre forças para devotá-los à maior distância do meu terreiro.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Na indiferença e no descrédito


No livro indispensável «A Peste» de Albert Camus, fica claro que a religião do tempo da peste não pode ser a religião de todos os dias.

Esta ideia despertou-me para o fenómeno da indiferença e do descrédito, tão próprios dos nossos dias, que a religiosidade desde tempo não pode ser a religiosidade de todos os dias, isto é, uma religiosidade que eventualmente vingou noutros tempos e em contextos da existência humana totalmente distintos dos da atualidade.

Não tenho uma receita para prescrever. Não sou médico de coisa nenhuma. Mas, estou seguro que a conclusão de Camus se aplica a todas as pestes. Não podem surtir os mesmos efeitos no nosso tempo, as expressões religiosas de outros tempos.

Para muita boa gente custa muito perceber isto, principalmente, os refratários que se organizam em claques clericalistas para combaterem o Papa Francisco e as diversas tentativas de adaptação da linguagem evangélica face aos tempos de hoje tão díspares dos tempos idos. Só quem é zarolho por completo, é que não percebe que a vida muda e se mudam os seus contornos como não deve mudar tudo o que a ela está relacionado?

Aos tempos onde a existência se tornou tão diferente do passado, é uma exigência que as expressões religiosas sejam necessariamente diferentes.