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domingo, 19 de agosto de 2012

Fretes de alguma igreja da Madeira aos poderosos desta terra

Conta Jean Delumeau no seu magnífico livro, «Aquilo em que acredito» que numa das visitas do Papa João Paulo II a um país da América Latina, dominado por uma ditadura sanguinária, o protocolo tinha achado por bem retirar da oração de Maria o Magnificat, que ia ser rezado no final de uma das missas onde estaria presente o ditador, os seguintes versículos: «Manifestou o poder do seu braço / E dispersou os soberbos. / Derrubou os poderosos de seus tronos / E exaltou os humildes». Obviamente, que o Papa perguntou ao chefe do protocolo o que se estava a passar para que não constasse a oração de Maria por inteiro, responderam que não queriam ferir susceptibilidades  diz-se que João Paulo II ficou triste (ou irritado, até acredito que tenha sido mais isso mesmo, irritação…) e obrigou que fossem colocados os versículos em causa e que a oração seria rezada por inteiro.
Serve esta introdução para enquadrar o que vou dizer sobre alguns fretes que a Igreja da Madeira neste Verão está fazer aos poderosos do nosso burgo, vulgo, da Madeira nova, falida, endividada até ao pescoço, com a sua «autonomia» morta e enterrada. Não presto vassalagem nenhuma aos cangalheiros da «nossa» Autonomia. Não me merecem qualquer réstia de simpatia, mesmo que tenham feito muito de muito bom, mas também falharam e temos que o dizer claramente. Por isso, são eles que empurraram um povo inteiro para a vergonha de não terem sabido governar-se e isso não me parece que devamos ter qualquer simpatia com gente deste teor que não admite os erros e nem muito menos é capaz de arrepiar caminho, reconhecer que podemos chegar lá mas sem arrogâncias nem prepotências. Uma Igreja que se submete a isto viola os mais elementares princípios da democracia e está totalmente contra o Evangelho que nos ensina a estar ao lado dos fracos, denunciando as injustiças e apelando à conversão dos poderosos. Vamos lá a dois aspectos deste Verão relacionados com os fretes que se prestam à Madeira Nova.
Primeiro frete. O Padre Martins Júnior celebrou 50 anos de vida sacerdotal juntamente com outro colega, que se humilhou tanto ao ponto de celebrar o seu jubileu o mais discreto possível para não ferir suscetibilidades. O «nosso» bispo actual inaugurou celebrações com a sua distinta presença para tudo o que mexe na Igreja Católica madeirense. Todos os anos celebrava com os aniversariantes de bodas sacerdotais uma solene celebração com pompa e circunstância na Sé Catedral. Um gesto bonito. Sinal de amizade para com os sacerdotes. Mas, este ano, nada. Pois, esqueceu-se que o «rebelde» Padre Martins um dia também passaria por uma celebração do género, aí o embaraço seria tremendo. O quê celebrar na Sé com este «comuna», ressabiado da Madeira Velha? E gora, celebrar com ele ou sem ele? - Um embaraço... Vamos ferir susceptibilidades? – Não, e os subsídios, as igrejas que estão para pagar e as capelas e capelinhas e ainda mais uma ou outra igreja que está para ser feita? – Esqueceram-se de uma coisa, o governo está falido, duvido muito que seja possível o regabofe para continuar o festim da subsidiodependência. Para não ferir suscetibilidades, melhor celebrar para nenhum. E foi o que aconteceu. Nada para ninguém. O «verdadeiro» aniversariante, resolvemos com uma conversinha e remetemo-lo à maior das discrições para que não se ateiem mais incêndios, porque já não há mais nada para arder… Mas, sobram dúvidas.
Vamos lá então. Se o Padre Martins Júnior está despadrado porque não se fez a celebração com o colega do mesmo dia de ordenação, porque este que se saiba está muito bem padrado, até faz parte do cabido da Diocese? Mais ainda, há algo que me faz confusão. Um padre, uma vez padre, padre para sempre, é isso que é dito à boca cheia na classe eclesiástica. Alguns despadram-se por sua conta, casam, geram filhos e educam-nos, sempre são chamados de padres, alguns até fazem parte de organizações de padres casados, reconhecidas pela Igreja Católica Universal… Então, em que ficamos, o Padre Martins Júnior não se despadrou e apenas sofreu injustamente, um acto dos mais desumanos que se possa imaginar, uma suspensão «a divinis», (ainda por cima metem Deus nesta coisa absurda). Não acatou tal prepotência de homens que deveriam respeitar um povo, uma comunidade que expressa a sua vontade. O Evangelho foi enviado às urtigas que é sempre inclusivo… O exemplo de Jesus nada serve, Ele que convive com o pior da sociedade (prostitutas, publicados, pecadores, doentes, pobres…). Qual o crime do Padre Martins Júnior, digam lá, levem o homem a um tribunal eclesiástico, vá sejam consequentes, julguem-no… Tem esse direito. Simples, hipócrita e doentio alimentar a teimosia que não é padre… Nada disto faz sentido, e revela a maior das contradições.
Mas, vamos a outro frete. A sacristia da Igreja do Monte, a mais famosa das igrejas da Madeira, este ano esteve vedada a reles jornalistas, ressabiados e comunas indignos de estarem no interior de igrejas quanto mais de sacristias onde se paramentam altos dignatários da Igreja Católica e onde se reúnem políticos da Madeira nova para cavaquearem sobre banalidades. Bem-feita. Não entra quem tem o dever de perguntar e o dever de informar. Mas, face ao ambiente, até acho que os jornalistas deviam estar mais que satisfeitos e considerarem este escorraço como uma distinção e nós cidadãos que queremos ser informados estamos agradecidos porque não recebemos este ano bacoradas patéticas da Madeira Nova. Todos ficamos a ganhar com tudo isto.
No entanto, há aqui mais um frete para a agradar a alguém. Andamos desejosos de construir uma nova capela nas Babosas, vá lá que não se impressiona quem se pensa ter poder e dinheiro para desembolsar alguns trocos para levantar do chão outro mamarracho religioso.
Umas babuseiradas talvez ajudem as Babosas. Acorde-se, um governo falido, sem dinheiro para comprar sequer papel higiénico para as escolas e para os hospitais, dominado pelo Governo Central e pela Troika, como pode arranjar mais dinheiro para obras inúteis. Não chegam os exemplos que temos por aí, padres aflitos com dívidas horríveis às costas. Tudo actos irresponsáveis, que são um ultraje ao nosso povo pobre e que diariamente luta incansavelmente para cumprir os seus deveres familiares. Tudo isto é insuportável, ofensivo e merece o nosso repúdio.
Senti pena pela atitude que se tomou contra os jornalistas, pois manifestou mais um gesto para agradar e para não ferir susceptibilidades. Se veio única e exclusivamente do Pároco, o que não me parece ter sido, porque não se espera isto de alguém ligado à comunicação social e com formação nesta área. A ele coube-lhe o trabalho sujo que alguém mandou executar escondido debaixo das saias e da sua vil importância. Mais, a haver proibição devia ser para toda a gente. A sacristia das igrejas serve para a paramentação dos sacerdotes para o serviço na liturgia e para pequenos diálogos com os fiéis que procuram os sacerdotes para resolver pequenos assuntos da vida.   
Finalmente, outro frete. As queixas do «nosso» prelado contra a RTP-Madeira, que não transmitiu a celebração deste ano de Nossa Senhora do Monte, são um frete aos poderosos desta terra que andam em guerra constante contra a linha editorial de alguns meios de comunicação social. Serve-lhes esta lamúria como uma luva, porque os reforça nas suas lutas e investidas. Uma pena que não se vislumbre isso, que mais não se perceba que o terreno é pantanoso entre nós e que qualquer sinal alimenta mais o frenesim do poder insaciável que nos domina. A Igreja é uma educadora, uma lutadora e deve sempre que necessário não se coibir de ferir susceptibilidades, exactamente, como o fez o saudoso Papa João Paulo II no episódio que refiro no início deste texto.
José Luís Rodrigues

3 comentários:

Espaço do João disse...

MEU CARO AMIGO.
Sou ateu, sou criança, incrédulo até dizer chega, mas mais incrédulo fiquei ao ler estas palavra. Confesso que fiquei bastante comovido e a tristeza profunda que senti, obriga-me cada vez mais afastar-me de gente tão mesquinha e tão arrogante, cheia de hipocrisia pensando só no seu bem estar. Não posso acreditar que um ilustre pastor de pastores tomasse tamanha atitude. Quando há só um rebanho e que tantas ovelhas padecem de "ronha", terá de haver mais de um veterinário para as tratar. Depois de conhecê-lo pessoalmente, cada vez mais tenho consideração pelo meu amigo. Continue no campo da batalha, jamais dê o flanco a gente desse gabarito, pois dos fracos não reza a história. Vou sentir-me mais forte por contar com a sua frontalidade e amizade incontornável.
Um grade e apertado abraço deste seu fiel seguidor que estará sempre ao seu lado no campo da batalha pela justiça e bem estar deste sacrificado povo. Um BEM HAJA .

José Leite disse...

É triste, mas isto existe.
É lamentável que ainda haja gente desta estirpe.
A osmose (promíscuo conúbio?)entre o poder político e o clerical podem gerar barbaridades sem conta.
É preciso lancetar os tumores malignos que conduzem à degenerescência de uma sociedade alicerçada na hipocrisia e na promiscuidade mais perversa.
Tudo isto existe, tudo isto é triste, mas é preciso acabar com este fado. Resignar, nunca!

André Escórcio disse...

Obrigado Padre por tão frontal e sincero texto. A páginas tantas senti uma certa comoção, porquê assim? Porquê este posicionamento da Hierarquia na Igreja de Cristo? Porquê a maldade? Onde páram o amor e o perdão?
Um abraço.