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sábado, 11 de agosto de 2012

Quando a Igreja vira circo


Onde é que eu já vi isto?
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília

In Adital

Era o mês de julho do ano de 1963 e eu não tinha ainda completado sete anos de idade. Em Araci (Bahia), minha cidade natal, celebrava-se uma festa de arromba: o Jubileu de Ouro do Apostolado da Oração da paróquia. Naquela época Araci era uma cidade pequenina formada apenas por três praças e menos de uma dezena de ruas. O município, com população quase toda rural, não passava de alguns milhares de habitantes. A cidade não tinha pároco e o padre vinha de vez em quando de Serrinha, a paróquia vizinha, situada a 36 quilômetros de distância. A região estava sendo assolada por uma seca que já durava quase três anos. Mesmo assim a festa aconteceu e o povo acorreu numeroso para participar, apesar de todo o sofrimento.
A abertura da festa se deu com a chegada do bispo diocesano de Feira de Santana (BA). Era a primeira vez que eu ia ver um bispo e nem sabia naquela época o que isso significava exatamente. Como toda criança, corri curioso, ao lado de meu pai, para a Praça da Matriz para ver a chegada de Sua Excelência. Fiquei impressionado. Uma figura imponente e vestida solenemente; usava luvas e sapatilhas e carregava atrás de si uma longa cauda, que era mantida suspensa a certa altura do chão por alguns caudatários. Entre esses caudatários estava um jovem seminarista, filho da minha terra e meu parente.
O bispo fez um discurso inflamado, rebuscado de frases em latim. Todos os presentes aplaudiram o "bom pregador”, embora quase ninguém tenha entendido nada, especialmente aquelas frases ditas na "língua da missa” que só o sacristão Zequinha, seu ajudante Agenário e a professora Dona Marieta – a mulher que tocava o harmônio da igreja – entendiam um pouco. Depois disso, o bispo deu a bênção do Santíssimo Sacramento, rebuscada com mais latim, o "Tantum Ergo Sacramentum”. A festa continuou por uma semana inteira: missas, pregações, confissões, batismos, casamentos e muito foguetório. Depois o bispo voltou para a sede da diocese, os missionários foram embora e o povo retornou para as suas casas. A vida voltou ao normal: luta contra a seca, fome, sede e miséria. "Seja o que Deus quiser”, repetia conformado o povo dos pobres.

2 comentários:

José Leite disse...

Santa resignação como bálsamo para o pauperismo mental e social.

Festa é festa. Ópio, do mais puro. A seca é fruto do «pecado»...

M Teresa Góis disse...

È ainda assim; o povo acorre a ver o sr. Bispo, Missas exaustivas e laudatórias, gente aà cunha e o povo sai "cheio" não cansa de se repetir "foi tão bonito"! Talvez que no meio da multidão estivesse Jesus Cristo, de pé, cansado, ou orante - não Lhe deram lugar, passaram-Lhe à frente, ignoraram-nO....O "foi tão bonito" durará até um depois de amanhã, após a 1ª ida ao pão ou ao supermercado da freguesia. E o povo continua vazio, ofuscado pelas cruzes e anéis, pelas vestes douradas que a Cristo nunca serviriam....