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terça-feira, 27 de junho de 2017

DEUS E EU

Para esta quarta feira, temos no Banquete da Palavra, Guida Vieira com um texto sobre a temática «Deus e Eu» com um texto exclusivo para os leitores deste site. Simplesmente brilhante... A fé é uma dúvida (Miguel de Unamuno), a Guida confirmou isso... Muito obrigado pelo seu belíssimo texto.
A minha relação com Deus tem sido, ao longo da minha vida, uma espécie de um diálogo de surdos. Eu passo a vida a questionar, mas Ele não me responde. Mesmo assim, consegui criar uma relação próxima, pois sempre o tratei por tu e ele nunca se manifestou, nem contra nem a favor.
Quando era apenas uma criança e andava na escola primária, acreditando piamente na sua existência, muitas vezes lhe perguntava: ó meu Deus, por que razão eu e os meus irmãos, vamos descalços para a escola e a maioria das restantes crianças vão calçadas? Por que razão temos que comer aquela sopa horrível, com massa escura e milho, todos os dias, e a maioria das outras crianças não? Estas interrogações muitas vezes foram colocadas em redações que fazia na escola, e claro, a professora não dizia nada. Estávamos nos anos cinquenta.
Quando cresci, continuando a acreditar, e aos 17 anos fui ofendida por um padre num confessionário, voltei a perguntar-lhe: Porque deixas que isto aconteça, em teu nome na tua casa? Mas Ele, não só não me respondeu, como o tal padre continuou a ofender outras mais… Continuei a crescer e a ver a pobreza das mulheres que, como a minha mãe, trabalhavam até altas horas da noite para ganhar uns tostões que não davam para nada, voltava a perguntar-lhe: Achas isto justo? E elas, e eu, e as minhas irmãs, e as minhas familiares e amigas lá continuávamos a tentar melhorar a vida, mas com as maiores carências do mundo.
Fui trabalhar para uma fábrica, conheci outras realidades, algumas ainda piores que a minha, e as minhas perguntas não tinham fim. Eu bem perguntava mas Ele nunca me respondia. Mesmo assim nunca desisti de perguntar. A fé já não era tanta mas nunca desisti de O enfrentar com as minhas interrogações.
Depois enfrentei a vida com os seus acontecimentos que, em certos momentos, nem me davam tempo para O interrogar. Foi uma luta dura, pessoal e colectiva. Trabalhava 48 horas por semana e estudava à noite. Depois veio a luta reivindicativa, a conquista de direitos e o tempo ia passando a uma grande velocidade, e o meu diálogo com Deus foi rareando cada vez mais.
Agora que tenho mais tempo livre, dou por mim novamente a interrogar. A perguntar. Porquê? Porquê? Porquê? Porque deixas que a humanidade esteja a destruir-se a si própria? Porque deixas que sejam sempre inocentes a serem vitimados? Porque deixas isto, aquilo e aquele outro???…Ele não me responde, mas vou continuar a perguntar, porque não sou pessoa de desistir de nada.
Guida Vieira

2 comentários:

miradouro das cruzes disse...

Cara Guida,
Permita que a trate assim. Conheço-a à muitos anos "de vista" e por causa do seu falecido companheiro. Gostei muito do seu artigo, de se expôr de uma forma simples e honesta tantos porquês! Com certeza não será única nessa relação com o Deus, de quem nunca entendemos o motivo do sofrimento das crianças na guerra, o sofrimento na doença, a fome, a solidão etc... Quem entrar no IPO ficará com toda a certeza frágil, confuso, outros procurarão na fé, o conforto que lhes proporcione um sentido para a vida ou para a morte. Eu vivi nos anos 60' na Madeira, assisti "in loco" a situações de miséria total, de desconforto e acabei por padecer do mesmo. A diferença é que no caso das crianças ainda é mais confuso entender que uns podem ter e esbanjar comida, deitar no caixote do lixo aquilo que não gostamos enquanto outras crianças com olhos de fome, ficam no seu sofrimento olhando os ricos comer. É uma sensação terrível e traumática, e eu já passei por isso! Mas todos nós, mais cedo ou mais tarde faremos esse acto de contrição, duvidaremos ou não de um Deus Supremo.

lina silva disse...

Deus criou para todos sem restrição, o Homem geriu a seu belo prazer, logo as questões devem ser colocadas, primeiro a nós e depois ao outro. Deus apenas aceita, deixa o Homem livre,